Aviso talvez de alguma utilidade pública a vários cientistas sociais urbanos e um que outro intelectual campesino: não percam o inestimável tempo elaborando fulgurantes teses acadêmicas acerca da deturpação dos usos e costumes envolvendo o Acampamento Farroupilha. Aquela gente, que se esmera no adorno do lote, a fim de utilizá-lo sem alívio por uma quinzena bem cheia, as pilchas que é um brinco e sorridente de orelha a orelha, não está nem um pouco preocupada com o que vocês acham ou deixam de achar sobre a forma como eles cultuam o 20 de Setembro. Se é o Carnaval escandaloso dos bacudos citadinos, se é a beberagem xarope e anárquica, a imbecilidade em seu estágio mais primitivo, se é um Woodstock gaudério, pouca ou nenhuma importância se lhes dá.
Esse pessoal, que lá está aquartelado pelo gosto da tradição, quer apenas matar um pouco da saudade das coisas do campo - a maioria veio do interior, tangida pela falta de oportunidades. Já que o assoalho da guaiaca não permite que tomem champanhe francês na Padre Chagas, sobra-lhes a alternativa da cachaça de alambique, enquanto a gordura da costela de segunda vai avivando o braseiro a cada pingo que se desgruda da carne. São homens de aparente rudeza e encantadora simplicidade. São mulheres que têm muito da têmpera de Ana Terra e de Bibiana Cambará na faina bruta de cada dia nos mais variados empregos, várias delas faxinando casas alheias em troca de um salário miserável. Trabalham de cabo a rabo o ano inteiro, mas reservam o setembro para lavar a alma no açude imaginário que brota do asfalto. Ninguém pode ser mais feliz do que todos eles nesses dias da noviça primavera.
Amam o Estado acima do país, e sabem de cor e salteado o hino rio-grandense, ao contrário do outro. Pior do que ser ufanista é ignorar o chão onde nasceu. Como alguém pode ser condenado por cultuar, ainda que de forma até equivocada, o passado do tempo dos avós? Professam os doutos das sábias academias que falta aos "gauchinhos" o estofo cultural para entenderem a Efeméride de 35. Ora, se nem eles chegaram à conclusão se Bento Gonçalves foi herói ou ladrão, ou se em Porongos houve a tal traição de David Canabarro aos seus lanceiros negros, querem exigir dos medianos o quê?
Primeiro que se entendam, para depois ditarem as cartilhas. Já vi até historiador topetudo tentar provar por A mais B que os farrapos não perderam a guerra! Falando por mim, mesmo morando aqui, sempre que posso dou um pulo no Parque da Harmonia para apreciar o movimento e a trilha sonora das gaitas e violões que ressoa dos piquetes ornamentados. Reencontro os amigos que deixei na Capital e aproveito para renovar o meu alvará de amor ao Rio Grande. Aliás, se quereis saber, prefiro mil vezes a prosa tosca e enfumaçada ao redor de um fogo de chão ao refrigério dos gabinetes acarpetados. Ainda mais se estiver ecoando pelos alto-falantes daquele abençoado malocão sazonal o canto rústico do Baitaca ou do Mano Lima.